terça-feira, 30 de agosto de 2016

O alcance das palavras...

Sou uma pessoa que dou muito valor às palavras, às que leio ou escrevo, às que ouço ou digo. Reconheço, porém, o limite do seu alcance, pois por muito extenso que seja um vocabulário, ficará sempre aquém para expressar tudo o que vamos sentindo ao longo da nossa vida. Por isso dizemos muitas vezes que não temos palavras para descrever o que sentimos. Alguns porque não as sabem, outros porque, apesar de as saberem, compreendem que algo tão grande, como pode ser um sentimento, não cabe numa palavra.
Contudo, esse limite não lhes retira valor nenhum. Uma palavra, num determinado momento, pode mudar muita coisa. Para ela ter esse poder, é preciso duas coisas, haver um emissor da palavra e um receptor. Um que saiba o que está a dizer, o outro que saiba o que se está a dizer. Um que queira dizer, outro que queira ouvir.
As palavras soltas são meros conjuntos de letras e sons. Se pomos um poema cheio de sentimento aos olhos de uma criança que aprendeu a ler há pouco tempo, aquilo não lhe dirá nada. Se pomos esse poema diante de alguém que já viveu algo mais, poderá ser encantador, arrepiante ou emocionante. Por isso, as palavras, tal como as pessoas, fazem parte dum contexto sociocultural, o seu significado cresce à medida que cresce a pessoa que as diz.
Ainda mais valor têm quando são o reflexo das atitudes de quem as diz. E é nos momentos de desencontro entre o que se diz e o que se faz, que vemos a fragilidade de algo tão valioso. Por isso, somos nós, pessoas, que na maior parte das vezes lhes subtraímos todo o seu significado. Damos nomes errados ao que vemos, ao que queremos, ao que sentimos, ao que pensamos, ao que fazemos. Talvez não vivamos numa época de poucos princípios, valores ou sentimentos, talvez vivamos numa época em que, simplesmente, não sabemos usar as palavras.

Como se diz, palavras levam-nas o vento, apesar de eu continuar a acreditar na palavra das palavras.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Ser família...

Desde que iniciei este caminho na Enfermagem muitos foram os casos que me fizeram crescer, não apenas como profissional, mas também como pessoa. Vemos as pessoas quase sempre numa situação de fragilidade, fora do seu contexto habitual, com inseguranças e dúvidas que, de fora, podem não fazer muito sentido, mas fazem.
Cabe a nós, profissionais de saúde, não apenas a enfermeiros, ser o suporte destas pessoas, esclarecer dúvidas e afastar receios. Sermos ouvintes, prestáveis, profissionais com e de confiança. Porém, o suporte maior que toda e qualquer pessoa pode e deve ter, é o da família.
Estamos habituados a ler e ouvir nas notícias sobre casos de abandono de idosos (e não só), dos depósitos que são as urgências (e não só) deste país. Sem dúvida alguma, situações tristes e revoltantes. Atenção, falo de casos de abandono e não de casos de pessoas que se deram ao abandono por tudo o que fizeram na vida. Há sempre dois lados da história e nem sempre a vítima está do lado de quem supostamente é abandonado.
Contudo vivi recentemente uma daquelas experiências que são o exemplo dos exemplos. Que, mais que ensinar o que não queremos ser, ensinam-nos o que devemos ser. Foram inúmeras as famílias com quem lidei que se preocupavam com os seus, que lhes deram tudo ao seu alcance, que se preocuparam e colaboraram na recuperação deles.
Porém, esta experiência superou isso. Familiares obviamente preocupados com o familiar, com dúvidas mais que compreensíveis. Familiares que compreenderam sempre o nosso lado e que foram um auxílio para nós e para o familiar durante o seu internamento. Mas não foi isto que me impressionou. O que me fez abrir os olhos de espanto foi o facto de viajarem 8h de autocarro por dia para poderem visitar o familiar. E visitando, não se limitaram a ser visitas. Foram família, estiveram e foram presentes.
Por isso, de todos os casos que falei, fico-me com estes, com os positivos. São estas pessoas que vão passando pela minha vida que, não fazendo parte dela, marcam muito. Fizeram-me crescer, fizeram-me ver o que é amar alguém, sem os floreados dos contos de encantar.

A eles, que agradeceram tudo o que fizemos, não sendo mais que a nossa obrigação, o meu sincero obrigado.

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Perto das estrelas

Não sei se é defeito, mas sou uma pessoa que pensa bastante (bem ou mal, será outra questão). Reflito sobre tudo o que faço, sobre tudo o que sinto, sobre tudo o que quero, sobre todos os aspetos da minha vida. No fundo, sobre o meu lugar no mundo. Não se confunda o pensar nas coisas, com não ser espontâneo.
Recentemente regressei de férias, fazendo a viagem de avião. Uma viagem noturna, dessas que eu mais gosto de fazer no ar. Primeiro porque reina o silêncio durante a viagem, segundo pela perspetiva superior do mundo abaixo de nós e em terceiro porque estamos mais perto das estrelas.
Foi uma viagem de curta duração passada, após um longo sono de dez minutos, a refletir. Em quê? Principalmente no que eu sonho conseguir na vida e no que já consegui e nada melhor que isso que fazê-lo junto às estrelas.
Sabendo que a vida não segue uma linha reta, aos 32 anos já consegui muitas coisas. Consegui ser feliz na minha infância, consegui ser estável na adolescência e tornei-me numa pessoa, modéstia à parte, de raros princípios e valores.
Para isso tive pilares seguros bem presentes. Os meus pais e restante família foram e são o pilar fundamental. Os meus amigos, aqueles “poucos” que ficaram da infância até agora. Aqueles que me fazem dar um significado enorme à palavra “amizade”, que não me permite chamar amigo a alguém com leveza. E, creio, me ensinaram a devolver a amizade que sempre me dedicaram. E por fim, o Karate, o meu caminho da vida, o meu equilíbrio para muitos dos momentos mais difíceis que passei e que me proporcionou dos melhores momentos que tive até hoje. Uma relação de compromisso, de lealdade, de sacrifício e de amor, que leva já 25 anos.
Além disso, consegui também sair da minha terra Natal, estive 12 anos a conhecer outras realidades, outras culturas, outras línguas, outras pessoas. Saí em busca do sonho de ser o Enfermeiro que sou hoje. Por todos os sítios onde passei creio ter deixado o melhor de mim e fiquei com o que de melhor me deram. Cresci, sem dúvida alguma, como pessoa.
Mas sempre tive um sonho e esse era voltar a casa. Quando menos o esperava surgiu a oportunidade e arrisquei. Larguei um lugar seguro, como são todos aqueles aos que nos habituámos, que conhecia como as palmas das minhas mãos e que me dava estabilidade. Arrisquei pois, apesar de não estar insatisfeito, não estava preenchido. Arrisquei e voltei a encontrar-me comigo mesmo, vendo que antes andava à deriva, com medo de me perder, estando perdido.
Foi talvez a situação que mais me ensinou uma coisa…os nossos sonhos não devem depender das pessoas que fazem parte da nossa vida. Se fosse por aí não teria regressado e não me teria dado hipótese a ser feliz. Devemos sonhar e ver quais as pessoas que cabem nos nossos sonhos. Nunca ao contrário, pois arriscamos a ser continuamente infelizes.
Neste momento tenho vários objetivos para a minha vida, mas apenas dois sonhos por realizar. Quem me conhece sabe bem quais são. E não vou desistir de os alcançar, sem medo de arriscar, sem medo de sofrer, sem esconder tudo o que sinto, sem medo de viver.

Dei por mim e a viagem estava a chegar ao fim. Tinha percorrido os meus sonhos lá bem no céu…agora toca concretizá-los na terra.